Liderada por mulheres, coleta de sementes nativas ajuda a recuperar florestas no MT

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Mal amanhece o dia em Diamantino, na região oeste de Mato Grosso, e a dona Roseveth Marques Martins, de 66 anos, já está com tudo pronto: marmita na bolsa, bota nos pés, podão e sacola nas mãos.

Os dois últimos itens são essenciais para que ela e os demais membros da Associação Ceiba, que reúne 12 famílias moradoras do Assentamento Caeté, possam realizar o trabalho ao qual se dedicam há dez anos: coletar sementes de árvores nativas do Cerrado na mata fechada. “Somos como formiguinhas, um grupo pequeno fazendo um grande trabalho”, define a agricultora.

Neta de índios, Roseveth foi a maior responsável por mobilizar os coletores de sementes de Diamantino, missão que assumiu depois de participar, em 2010, de um encontro da Rede Sementes do Xingu, em Sinop (MT). Saiu da reunião certa de que poderia gerar renda fazendo o que sempre amou, que é ficar perto da natureza, com os pés bem fincados na terra. “Quando as pessoas aqui do assentamento percebem que isso é possível, começam a entender que temos uma riqueza aos nossos pés”, afirma.

Em 1977, a família de Roseveth – que hoje inclui seus quatro filhos, nove netos e três bisnetos – foi uma das 34 que receberam lotes em Diamantino, às margens do Rio Paraguai. “Logo vimos que precisávamos recuperar as margens do rio, que estavam bem desgastadas, então fomos coletar sementes para plantar árvores. Fazíamos do jeito que dava, sem nenhuma técnica”, lembra.

O conhecimento, incentivado pela reunião em Sinop e pela criação da Associação Ceiba, viria em cursos na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e no Instituto Socioambiental (ISA).

“Foi como unir a nossa vocação natural para o campo com o conhecimento técnico. E não deixamos escapar a oportunidade de fazer um trabalho tão nobre, que é ajudar a recuperar as florestas nativas do nosso país”, conta Antonio Augusto Marques, de 50 anos, filho de Roseveth, e hoje coordenador na região da Rede de Sementes do Xingu.

Coleta

As mulheres são maioria na Associação Ceiba, que tem 50 integrantes. O trabalho é planejado de acordo com a época do ano. “Aprendemos a identificar as árvores que produzem mais sementes e como coletar corretamente. As sementes de algumas espécies, por exemplo, são apanhadas do chão”, explica Roseveth.

“São homens e mulheres que vão para a mata em dia de coleta. Fazem trabalho igual, sem discriminação”, brinca a agricultora, antes de abrir uma assembleia na associação para avaliar a entrada de novos membros. “Vocês podem fazer parte da entidade, mas precisam mostrar que têm comprometimento com a nossa causa”, alerta Roseveth aos candidatos a ingressar na associação, que possui o Registro Nacional de Sementes e Mudas do Ministério da Agricultura.

Uma das jovens que decidiram fincar os pés na zona rural e seguir os passos de Roseveth é Geovana Pivotto, de 16 anos. Ela, a mãe e a irmã se sentem orgulhosas de trabalhar como coletoras e rendem homenagem a Roseveth. “Ela é a grande incentivadora da associação de coletores”, afirma. “Não precisamos mais buscar trabalho na cidade, porque já temos muito para fazer aqui no campo.”

O trabalho das coletoras é planejado com antecedência. Geovana conta que elas se reúnem semanalmente para planejar o trabalho da semana seguinte. “Há aqueles que vão para a mata e passam o dia inteiro lá coletando as sementes, mas o trabalho não se resume a isso. Depois é preciso beneficiar e armazenar as sementes corretamente”, diz a menina. “Só então, de acordo com a demanda, a distribuição é feita pela Rede de Sementes”, completa Antonio Marques, filho de Roseveth.

Reflorestamento

A Rede de Sementes do Xingu, entidade da qual  a Associação Ceiba é uma das fornecedoras oficiais de sementes de árvores nativas do Cerrado, trabalha com outros 30 grupos coletores de sementes dos vários biomas brasileiros (no total, são 568 coletores, entre os quais as mulheres também representam a maioria).

De 2007 a 2019, a Rede de Sementes coletou 249 toneladas de sementes nativas, de mais de 220 espécies diferentes, gerando uma renda de R$ 4 milhões aos coletores. Entre o primeiro ano de atuação e o ano passado, o volume coletado anualmente passou de 5 toneladas para 28 toneladas. “Um resultado direto do investimento feito para capacitar as comunidades coletoras”, diz Antonio Marques.

A previsão é que a demanda por sementes nativas dos diversos biomas brasileiros continue crescendo nos próximos anos, gerando mais renda para este segmento extrativista. De acordo com a Agroícone, consultoria especializada em agronegócio e sustentabilidade, de São Paulo, as propriedades rurais brasileiras precisam restaurar, parcial ou completamente, a vegetação nativa de 19 milhões de hectares para atender ao Código Florestal.

“A legislação obriga os produtores rurais a criar áreas de Reserva Legal ou Áreas de Preservação Permanente para compensar o desmatamento feito”, explica Laura Antoniazzi, da Agroícone. O percentual de compensação vai depender da localização e da situação particular de cada propriedade, conforme apontado no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

A nova legislação fixa esse percentual de acordo com o bioma e a região onde está localizada a propriedade. Em fazendas na Amazônia Legal esse índice chega a 80%, enquanto no Cerrado é de 35% (20% dentro da propriedade e 15% na forma de compensação ambiental em outras áreas, desde que na mesma microbacia) e de 20% nos demais biomas. “É muito importante que as técnicas de recuperação florestal com baixo custo, como a semeadura direta, sejam oferecidas aos produtores rurais”, destaca Laura.

Há dois anos, uma parceria entre a Agroícone, a Rede de Sementes do Xingu e o Partnership for Forests, um programa financiado pelo governo do Reino Unido, criou o Caminhos da Semente, uma ação que incentiva a recuperação florestal por meio da semeadura direta – ou, como popularmente é chamada, a muvuca.

As sementes coletadas por Roseveth, Geovana e os demais coletores da Associação Ceiba já semearam 174 hectares em áreas de Goiás, São Paulo e Mato Grosso. “Em São Paulo, as fazendas de cana-de-açúcar estão apostando nesse sistema”, diz Laura, revelando que a meta no Estado é chegar a 2.100 hectares restaurados ao ano.

O biólogo Maxmiller Ferreira explica que a técnica chega a ser três vezes mais barata para o produtor rural, comparada com o reflorestamento feito com mudas. “Além do custo mais baixo, a semeadura direta envolve uma cadeia sustentável e tem um alto índice de sucesso. É possível transformar uma área devastada em mata nativa em dez anos”, garante.

A semeadura direta consiste na distribuição de sementes nativas misturadas a sementes de plantas para cobertura vegetal, como o feijão-guandu ou feijão-de-porco, de acordo com a taxa de conversão para cada bioma ou região. “É uma sucessão ecológica das espécies, que vão se substituindo até formar uma floresta”, explica Ferreira.

“Os feijões desenvolvem uma camada vegetal para proteger o solo, em seguida as árvores de crescimento rápido, como as frutíferas, se sobressaem e as espécies tardias comporão um microambiente mais rico, que vai atrair a fauna de volta”.

O mix de sementes inclui também espécies que funcionam como controladoras de praga. “Com esse controle natural, não é necessário usar nenhum tipo de defensivo químico”, acrescenta o biólogo. O gergelim e os feijões, por exemplo, são indicados para controlar a maior praga das árvores, as formigas. “A semeadura direta é um processo fácil de ser praticado por qualquer produtor rural, porque não exige implementos extras nem defensivos químicos. E ainda permite que as propriedades estejam adequadas à legislação em um prazo menor.”

consideração a topografia, o regime de chuvas e as espécies nativas de cada microrregião, além da extensão da área, a eventual presença de gado e a variedade de capim predominante em pastos locais. O monitoramento do crescimento da floresta é feito via aplicativo de mensagem e em protocolos de observação.
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